sábado, 5 de março de 2011

Originalidade do Carnapauxis possui raízes lusitanas

Por M. Lino

O carnaval de Óbidos, a cidade mais portuguesa da Amazônia, tem suas origens na cultura lusitana, que chegou ao interior da Amazônia trazida pelos imigrantes portugueses principalmente no século XIX, a partir daí preservou-se em sua essência como expressão genuína na região.
Em Portugal, a cultura popular construiu a figura do careto, cuja essência constitui, sem dúvida, a alma do Mascarado Fobó obidense. É interessante notar que a indumentária do nosso Mascarado Fobó é idêntica ao do careto do nordeste de Portugal, região de Trás-os-Montes, salvo a máscara que os lusos tradicionais fabricam de madeira (cara-de-pau) e os obidenses utilizam o papelão para construí-la. Certamente o careto fez uma longa viagem partindo do continente europeu, passou pelos arquipélagos e de lá chegou até Óbidos.
Careto x Fobó
O encarte do CD “Carnapauxis: a festa do Mascarado Fobó” (vol. 01. Óbidos: SECTUMA, 2003) nos revela que o Mascarado “é um misto de risos, medo, admiração e alegria; ora causa espanto às crianças que o temem por suas bexigas, ora causa risos, mas também, aguça a ira das pessoas que, banhadas em suas portas ou nas esquinas, recebem do Fobó polvilhadas de Maisena”. Dessa forma, o Fobó se diferencia do careto da região de Trás-os-montes, que na vila de Salsas, concelho de Bragança, mantêm atitudes mais sensuais e tem como recheio apenas jovens solteiros. O personagem português, entre outras pantomimas, ao encontrar uma moça, persegue-a até enlaçar-se em sua anca e realizar uma espécie de movimento lascivo, fazendo balançar os chocalhos que leva atado à cintura. Nos arquipélagos a figura do careto também aparece.
O Mascarado Fobó incorporou as atitudes dos brincantes do entrudo realizado no Rio de Janeiro, a Enciclopédia Mirador (1982) menciona a respeito do entrudo que “Alvarás e avisos contra ele apareceram nos primeiros anos do séc. XVII”. O entrudo carioca consistia em uma verdadeira guerra nas ruas da cidade, os foliões usavam os mais variados materiais, “pós ou cal” para sujarem-se mutuamente ou aquele que insistisse em abrir portas ou janelas quando da passagem da turba. O pintor Jean Baptiste Debret (1768-1848) imortalizou a manifestação popular na tela “Dia do Entrudo” de 1823. O entrudo não escapou de fatais mudanças e “Sua morte definitiva deveu-se, sobretudo, ao aparecimento de instrumentos mais civilizados de brincar: o confete, a serpentina e o lança-perfume”. Em Óbidos o confronto com materiais menos nobres foi substituído por polvilho, atirado de mão cheia ou passado no rosto do brincante, assim mantêm-se a irreverência do antigo entrudo.

O carnaval obidense tem início em 1º de janeiro com a tradicional concentração no “Canto do Seu Augusto” no finalzinho da tarde, e todo domingo no mesmo horário o bloco sai pelas ruas, e a festa se estende até a terça-feira de Carnaval, e encerra oficialmente com o arrastão do Bloco das Virgens, onde os homens se vestem de mulher a as mulheres se vestem de homem. Em Portugal os caretos de Salsas, saem na noite do dia 1º de janeiro para brincar nas casas onde há moças solteiras, etc, e a folia continua até o dia de Reis (06 de janeiro). Na vila de Lanzim, concelho de Lamego, o entrudo se estende até a terça-feira gorda com a leitura em praça pública do testamento do Compadre e da Comadre que expõe, de forma satírica, defeitos de homens e mulheres do lugar.

Semelhanças, muitas semelhanças
Aqui, “a careta”, como dizia minha saudosa avó, procura esconder a identidade. No Carnapauxis a máscara é que defende o anonimato do folião, serve de escudo de proteção, além de adorno é um artefato que mantêm anônimo o folião, com ela o Mascarado faz e acontece sem risco de ser descoberto. “As máscaras teriam sido introduzidas no Rio de Janeiro em 1834, por influência francesa. (...) As de papelão grosseiro destinavam-se aos brinquedos de rua.” (Mirador, 1982 ).
Na cabeça o capacete de fitas coloridas, imitando as listras multicores do fato de franjas do careto português. O apito intimida e determina o ritmo da folia (campainha em Portugal), o dominó era fantasia de luxo nos antigos bailes carnavalescos no Rio de Janeiro e veio para as ruas de Óbidos colorido, folgado (fato em Portugal), outros artefatos são a bexiga (chocalho em Portugal) e a Maisena. O careto também carrega um pau com o qual se apóia durante suas estripulias. Dependendo da região de Portugal há pequenas variações na indumentária do careto.

A tradição não pára

Atualmente, em Óbidos, a manifestação que mais se aproxima do carnaval original é o séquito do “Pai da Pinga” no final da tarde de segunda-feira. O irreverente bloco que tem como símbolo a figura de um boi de pano e é animado por música de instrumentos de sopro e percussão, percorre as ruas da cidade no compasso constante dos brincantes, sem horário ou percurso pré-definido, dessa forma mais espontâneo. Tal como o refrão do bloco “Não pára, não pára, não pára...” o Pai da Pinga revive o autêntico carnaval de rua. Originou-se da união (genial) de um grupo de amigos do bairro de Santa Terezinha que, por sua atitude, questionaram o carnaval travado pelo trio elétrico no domingo, então, resolveram transpor as regras e estender a alegria um dia a mais, dando preferência à liberdade de seguirem nas rua animados pelas circunstâncias da improvisação. Merece registro a criativa capacidade do mestre de cerimônia e compositor oficial do bloco, Artur, em revelar verdadeiros artistas do povão, entre eles Cláudio Leite, Bebê Chorão, Márcio Fruta e agora a voz de ouro Nilda Furacão.

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